Flavinha e Bernardo
_Legal, Rafa! Parabéns! Você tá aprendendo direitinho. – sorri enquanto esfregava a cabeça de Rafael. Ele estava realmente aprendendo a tocar, mesmo com as limitações de não ter um violão durante a semana para treinar. Como não tínhamos a permissão de darmos um violão para ele ainda, ele treinava as posições usando o próprio braço esquerdo como se fosse o braço do violão. Imaginava as cordas e fazia as posições. Era extremamente esforçado, e havia evoluído bastante nos últimos meses.
Nem sempre eu podia ir com Bernardo, mas mandava meu violão com ele. Quando ia, me limitava a observá-los e ajudar em uma ou outra coisa.
A recuperação de Rafael também estava indo muito bem. Ele já havia retornado para sua casa e estava estudando novamente em outra escola, para ficar longe das “más influências”. Já não usava drogas há algum tempo.
Bernardo estava investindo muito nessa recuperação. Foi ele quem ajudou os pais de Rafael com a transferência da antiga escola e a comprar os materiais escolares. Rafael estava bastante atrasado nos estudos, mas Bernardo conseguiu uma escola de aceleração, e Rafael estava muito empenhado. Ele parecia estar mesmo agarrando essa oportunidade com força e determinação.
Ele só era reticente quanto a ir à igreja. Bernardo nunca vinculou sua ajuda a nada. Rafael estava livre para ir à igreja quando quisesse. Bernardo estava sempre falando de Jesus para ele, e orando por sua restauração completa. Mas Rafael ainda tinha algumas dúvidas quanto à questão de salvação. Ele não conseguia entender porque Jesus precisou morrer por pecadores que sequer conhecia, e também não aceitava o fato de que a salvação era de graça. Para ele seria necessário fazer alguma coisa para merecê-la e como ainda se sentia em débito com Deus por tudo que já havia feito, dizia que só entregaria sua vida para Ele quando estivesse com tudo em dia.
Nós orávamos por ele para que Deus o convencesse de que nada era necessário para ser salvo, bastando apenas crer e confessar Jesus como salvador. Mas Rafael continuava irredutível.
As aulas agora aconteciam na casa dele. Seus pais olhavam para Bernardo com profunda admiração. Eles eram gratos por tudo que estavam fazendo por seu filho mais velho. Eles entenderam rapidamente a mensagem de salvação em Cristo e quiseram essa vida para eles. Oraram entregando suas vidas para Jesus com muita alegria e gratidão a Deus.
_ Legal, Rafa! – Bernardo falou empolgado. – Acho que por hoje já tá bom. Semana que vem eu volto para treinarmos um pouco mais de “pestana”, beleza?
_ Falou, Ber! – ele bateu o punho na mão de Bernardo. Estávamos indo embora quando dei meia volta e instintivamente estendi meu violão para Rafael.
_ Pode ficar com ele essa semana. Eu pego no sábado que vem. – ele olhou com a boca aberta para o violão que eu estendia em sua direção. Hesitou um pouco antes de pegá-lo.
_ Obrigado, V. Eu prometo que vou cuidar muito bem dele. – Falou ainda olhando para o violão, e com um sorriso enorme nos lábios.
_ Cuida mesmo, hein! Eu confio em você. – falei sorrindo de volta e esfregando seu cabelo.
Saímos juntos da casa de Rafael. Bernardo não era muito de falar, mas quando se sentia seguro, falava pelos cotovelos. Eu era uma das pessoas com quem Bernardo conseguia falar tranquilamente. Nossas conversas fluíam.
_ V, eu tô super animado com o Rafael! Ele nasceu para a música! – ele batia a mão no volante enquanto falava das proezas de seu aluno
_ É mesmo. – concordei com a minha mente longe dali – Bernardo. – comecei – Eu estava pensando...
_ Sim? – ele falou entusiasmado.
_ Acho que poderíamos te ajudar com essa questão do patrocínio.
_ Como?
_ Estava pensando em procurar o chefe do papai e apresentar o projeto a ele. Também poderíamos fazer o mesmo com os outros jovens. Se cada um de nós conseguisse um violão, seriam mais de trinta violões! – falei animada – Acho que, se decidirmos unir forças, poderemos ter melhores resultados.
_ Legal, V! Vale à pena tentar. – ele disse pensativo, mas sem muito ânimo. Bernardo já havia tentado muitas coisas para conseguir patrocínio e agora era mais reticente quanto a soluções “mágicas”
_ Vamos falar hoje à noite com os jovens, se todo mundo topar...
Parecia que um brilhozinho muito suave de esperança brotava em seus olhos. Fomos conversando sobre o projeto durante o caminho.
Ele continuava com as crianças da periferia de manhã, e à tarde ia para casa de Rafael, que era o único aluno com aulas particulares.
Só um assunto eu não conseguia tocar de jeito nenhum com Bernardo: Flavinha. Como eu poderia dirigir nossa conversa de forma a descobrir alguma coisa? Bernardo era muito reservado e, se sentisse algo por Flavinha, eu seria a última pessoa no mundo a quem ele confessaria alguma coisa.
Ele continuava falando sobre o projeto enquanto eu desviava meus pensamentos em direção a Flavinha.
_ V? Tudo bem? – ele disse com o tom de voz preocupado. Acho que meus amigos nunca estariam completamente livres do “fantasma” que eu mesma havia criado quando “saí do ar” por tanto tempo.
_ Tudo. Eu só me distraí. – falei sem graça por não estar prestando atenção ao que ele dizia.
_ Legal te ver bem de novo, V! – ele sorriu para mim.
_ Obrigada.
_ Sentimos muito a sua falta. – falou carinhosamente.
_ Eu também Ber, embora não estivesse realmente consciente disso.
_ Foi difícil para você, né? Perder alguém que se ama não deve ser muito fácil mesmo.
Meu coração deu aquele salto de alerta. Pensar ou falar em Renato ainda era um assunto delicado para mim.
_ Não é mesmo! – falei abaixando os olhos
_ Eu sinto muito, V.
De repente vi nesse assunto a brecha que eu estava procurando.
– E você, Ber? – olhei para o outro lado – Nunca amou ninguém? – disparei a queima roupa.
Ele não respondeu, mas seu rosto assumiu um tom vermelho vivo. Estava tão constrangido que eu olhei para fora tentando dar um espaço para ele se recompor. O silêncio continuava agora constrangendo nós dois. Eu me sentia como se tivesse falado um palavrão. Não sei quem estaria mais vermelho agora.
_ Olha, desculpe, Ber. Eu não queria te constranger. – falei ainda olhando para fora – Foi só que estávamos conversando e... bom, desculpa, por favor.
_ Tudo bem, V. – ele falou baixinho. Não me virei para olhá-lo de novo. Continuei olhando a paisagem enquanto ele dirigia a caminho da minha casa.
Continuávamos em silêncio e eu estava com medo de olhar na direção dele. De repente, o carro foi perdendo velocidade, e ele parou no acostamento. Estávamos próximos ao Memorial JK. Eu olhei para ele, confusa.
_ Por que paramos?
Ele desligou o carro e baixou os olhos, cruzando as mãos sobre as pernas e sacudindo o joelho para cima e para baixo. Estava visivelmente nervoso. Seu rosto agora estava lívido, feito cal, e ele parecia suar. Permaneceu em silêncio, parecendo decidir alguma coisa. Fiquei esperando, mas isso estava me deixando nervosa, então quebrei o silêncio.
_ Ber... eu não queria...
_ É o seguinte, V. Se vamos ter essa conversa você terá que me prometer que não vai comentar isso com ninguém durante toda a sua vida.
Meu Deus! O que seria tão terrível assim para iniciar com um discurso passional feito esse?
_ Bernardo, você não precisa me dizer nada que não queira. – eu já estava ficando nervosa demais com aquela situação.
_ Esse é o problema, V. Eu quero dizer, mas preciso estar... seguro de que você não fará, absolutamente – e ele frisou bem essa última palavra – nenhum comentário com ninguém. Promete?
Por que eu estava com a sensação de que já tinha tido essa conversa antes?
_ Ok, Ber, prometo. – disse solenemente.
_ Tá bom... – ele suspirou nervosíssimo. Agora esfregava as mãos e seu joelho parecia ter vida própria. Aquilo já estava me deixando angustiada. Ele voltou a ficar em silêncio, e eu já estava pronta para gritar que não queria ouvir mais nada quando ele falou.
_ É claro que já gostei de alguém.
Era isso? Todo esse estresse para isso?
_ Na verdade eu ainda gosto dela. – ele continuou depois de um longo silêncio. Decidi não interrompê-lo e esperar com paciência que ele fizesse isso no próprio ritmo. Isso me fez lembrar a luta de Flavinha para me contar seu mais valioso segredo, com o rosto escondido no travesseiro. Será que se o quarto estivesse iluminado eu teria visto a mesma demonstração de nervosismo? Sorri na minha mente pela semelhança daqueles dois.
_ Ela foi a primeira pessoa que eu vi quando cheguei à igreja. Fiquei impressionado não só com a beleza dela, mas com o “conjunto da obra”, sabe? – ele falou com um sorrisinho tímido.
_ Desde que chegou à igreja? Se você gosta dela há tanto tempo assim, por que ainda não a procurou para conversar?
Eu estava sinceramente curiosa. Eu havia prometido que não falaria nada com ninguém sobre nossa conversa, mas se eu soubesse que ele estava interessado em outra garota, com certeza acharia um jeito de dissuadir a Flavinha sem precisar revelar o seu segredo. Não a deixaria ficar alimentando esperanças em vão. Então continuei.
_ Ber, você sabe que pode confiar em mim. Somos amigos há quanto tempo? Mas eu vou entender se você não quiser compartilhar uma coisa tão íntima comigo.
_ Não V. Eu tô... tô legal. – ele gaguejou – Agora que já comecei quero ir até o fim.
Ele suspirou fundo, e disparou as palavras em minha direção.
_ No início até achei que poderia tentar. Mas eu percebi que ela não me dava a menor atenção, então decidi que não iria pensar mais nela. Só que ela não saía da minha cabeça. Para piorar, eu a via todo final de semana!
Fiquei quieta com medo de que minha respiração pudesse assustá-lo e ele desistisse de continuar sua narrativa tão sincera.
_ Mas foi na última viagem de socorro que fizemos para Minas Gerais que eu pensei que teria alguma chance...
Minas Gerais? Minas Gerais reduziam as meninas da igreja a apenas quatro: Flavinha, Luiza, Ritinha e Celinha, mas Luíza não contava porque era namorada de Dudu. Tentei imaginar qual delas fazia o tipo de Bernardo. Na minha cabeça eu torcia para que fosse Flavinha.
_ Lá em Minas, eu até imaginei ter visto alguma coisa, até pensei em falar com ela quando voltássemos, mas quando retornamos a Brasília ela permanecia indiferente e distante como sempre... Apenas amigos. Confesso que fiquei frustrado.
Será que...? Não custava tentar.
_ Ber? Você tá falando da Flavinha? – arrisquei
Ele parecia um tomate com hemorragia! Continuava encarando os próprios pés. Seu silêncio durou mais tempo que a minha paciência, mas ainda assim eu resolvi esperar. Ele estava analisando o peso dessa informação, medindo se valeria mesmo a pena se expor dessa maneira. Fez um leve movimento assentindo com a cabeça e eu quase soltei um grito. Bernardo estava apaixonado pela Flavinha!
Deitada no meu quarto, eu agora processava minhas novas informações. Flavinha estava apaixonada por Bernardo, mas me fez prometer que guardaria seu segredo. Bernardo estava apaixonado por Flavinha, mas me fez prometer a mesma coisa estúpida. E agora?
Durante o culto eu ficava olhando de um para outro sem acreditar naquela situação absurda. Pensei em chamá-los para comermos uma pizza, mas ambos ficariam zangados comigo, imaginando que eu estaria dando uma de “cupido”. Pensei em colocá-los frente a frente e simplesmente dizer: “Falem” e sair de perto, mas não era um plano muito bom. Carta anônima? Igualmente ruim.
Até quando seria confidente dos meus amigos sem deixar escapar o segredo um do outro?
Os jovens ficaram empolgados com o apoio ao projeto de Bernardo. Ele mandaria uma cópia do seu projeto para cada um de nós e iríamos procurar nossos contatos. Seria um bom desafio para todos. Isso me deixava feliz, mas não diminuía a pressão de ser guardiã de um segredo, ou melhor, de dois segredos.
Tirei o travesseiro debaixo da minha cabeça e o coloquei no rosto apertando forte. Por que eu fui prometer? Seria tão mais fácil pegar o telefone e contar a minha conversa dessa tarde com Bernardo para Flavinha. Ela ficaria radiante! Ou ter contado para Bernardo minha conversa de outra noite com Flavinha. Ele teria ficado radiante!
E quando eles souberem que eu já sabia, mas não contei? Que eu poderia ter diminuído a aflição deles, mas não o fiz? – Argh! – dessa vez eu mordi meu travesseiro e joguei-o na parede. Era uma situação nova e angustiante para mim.
Continuei deitada, meus olhos pousaram no lugar de costume, o quadro que eu só conseguia vislumbrar pela tênue luz da lua que entrava pela janela. Fiquei pensando em Renato, e em como ele resolvia as coisas com facilidade. Para ele nada era complicado demais, “complicado era o olho de quem via” – ele costumava dizer.
Suspirei de saudade. Como ele me fazia falta! Não era apenas falta da presença física dele – isso, sem dúvida, me consumia – mas era alguma coisa ainda mais forte. Era saber que eu não o veria nunca mais, pelo menos não aqui nessa vida. Sentia falta da voz dele, das conversas, do sorriso, dos conselhos, das piadas, do jeito simples e descomplicado com que ele lidava com a vida... Sem perceber já estava chorando. De novo.
Acordei ainda com aquele “gosto” ruim do meu sonho. Esperava que um dia esse sonho acabasse, ou pelo menos mudasse.
Flavinha passaria aqui em casa cedo, então decidi me arrumar logo para evitar atrasos. Quando ela chegou ainda estava tomando café, e ela sentou-se ao meu lado pegando um pão de queijo.
_ E então? – Flavinha estava animada – O e-mail do Bernardo chegou ontem à noite. Já falei com meu pai e ele achou que os próprios colegas de trabalho dele farão uma vaquinha para contribuir. Acho que vai dar certo, V.
Meu celular tocou.
_ Bernardo! – falei mostrando a foto dele que piscava no visor do meu celular – Essa hora? – estranhei.
_ Oi, Ber. Tudo bem? – perguntei confusa. À medida que Bernardo falava minha expressão ficava aterrorizada. Flavinha já estava de pé ao meu lado, e pelo rosto dela eu pude ver o reflexo de pavor que o meu próprio rosto assumia. – Eu tô indo para aí agora. – desliguei o celular olhando para a Flavinha boquiaberta.
_ Fala, V. O que aconteceu?
_ É o Rafael. – falei pasmada – Ele está no hospital. Parece que ele foi pego pela antiga gangue dele...
Flavinha levou as duas mãos à boca completamente atônita.
_ Ele está... – ela sussurrou apavorada.
_ Ele está internado, muito machucado. – falei rápido enquanto pegava a minha bolsa. Revirei o armário procurando a chave do meu carro, mas lembrei que tinha deixado o carro ontem à tarde no mecânico, por esse motivo a Flavinha estava aqui para me buscar. – O Bernardo está lá esperando o Dr. Henrique, que está indo também para ver no que pode ajudar. Vamos?
Flavinha já estava de pé na porta me esperando. Saímos rápido em direção ao hospital. No caminho liguei para os meus pais para avisá-los. Liguei também para algumas pessoas para que ficassem em oração. Não sabíamos como Rafael estava. Eu sabia que a gangue não estava satisfeita com a mudança de vida dele e sempre que podiam o ameaçavam, por isso Bernardo havia ajudado a mudá-lo de escola. Meu coração estava disparado, e o medo de que algo grave pudesse ter acontecido com Rafael me fazia tremer.
Ataques de gangues já estavam se tornando comuns em Brasília, como em qualquer outra capital. Grupos de jovens e adolescentes sem expectativas de vida se reuniam para consumir drogas e cometerem pequenos furtos. Quando algum participante do grupo resolvia “pular fora” a decisão nunca era bem vista, e geralmente a reação era violenta.
Chegamos rápido ao hospital e Bernardo estava na recepção com o pai de Rafael. Ele disparou para nós quando nos viu:
_ Ber. – falei dando um abraço nele – O que aconteceu?
Ele abraçou Flavinha também enquanto contava os detalhes.
_ Ele estava na frente de casa treinando com o violão – ele falava agitado – então um dos rapazes da gangue passou e fez alguma piada para provocá-lo. – o pai de Rafael já havia se juntado a nós. – ele não queria briga, então fingiu que não ouviu. O rapaz foi embora, mas voltou com os outros caras da gangue, uns oito pelo menos, e continuaram a provocação. Quando Rafael tentou entrar em casa, um deles tomou o violão. Ele tentou pegar de volta e a briga começou. – Bernardo suspirou – A mãe dele está lá dentro com ele.
_ Rafael não queria brigar, Virgínia, mas os moleques pegaram o violão e ele disse que não iria deixar. Ele não é mais de briga. – O pai dele falava com uma pontada de orgulho pela atitude do próprio filho.
_ Mas como ele está? – perguntei aflita
_ Ele está bem... – Bernardo parecia mais tranquilo – Quebrou o braço direito e duas costelas. Está bem machucado, mas o Dr. Henrique disse que não é muito grave.
_ E você? Como você está? – a pergunta foi de Flavinha e percebi que Bernardo não estava esperando por isso. Ele olhou direto nos olhos dela e ficou um tempo em silêncio. Talvez até àquela hora ninguém tivesse se preocupado com ele ainda, afinal Bernardo gostava muito de Rafael. Ele acreditava mesmo na recuperação do garoto, e estava muito envolvido nisso. Ele sorriu suavemente, sua voz acompanhou o mesmo tom e estava carregada de emoção e gratidão.
_ Estou bem. Fiquei muito preocupado por não saber exatamente como ele estava...
_ Mas vai ficar tudo bem, Ber... – Flavinha colocou a mão em seu ombro e estava igualmente emocionada – Nós vamos ajudar no que for preciso.
Eles estavam se olhando de um jeito tão intenso que me senti constrangida por estar ali. Aproveitei que o pai de Rafael havia se afastado e saí com a desculpa de procurar o Dr. Henrique. Deixei os dois sozinhos, mas me virei a tempo de ver Bernardo segurando o braço de Flavinha e conduzindo-a ao banco da recepção.
Fiquei longe dos dois o tempo que pude. Queria muito que eles percebessem alguma coisa um do outro. O Dr. Henrique estava no hospital, mas ninguém conseguia localizá-lo. Não queria ligar no celular com medo de estar atrapalhando algum procedimento. Minha pressa era só para ter mais notícias de Rafael, embora não pudesse negar que estava muito feliz pela demora, porque isso significava mais tempo entre Flavinha e Bernardo.
A situação de Rafael era estável, o que mais preocupava eram as costelas quebradas, porque havia risco de perfurar algum órgão, mas graças a Deus isso não havia acontecido. Essas informações Bernardo já havia nos passado assim que chegamos, então só estávamos ansiosos para vê-lo.
Finalmente o Dr. Henrique apareceu nas portas duplas da sala de espera. Estava sorrindo, o que nos deixou mais tranquilos. Fez sinal para que nós o acompanhássemos. Olhei para Bernardo e Flavinha e eles já estavam de pé, vindo na minha direção. O pai de Rafael estava ao lado do Dr. Henrique.
Andamos com ele enquanto nos explicava a situação de Rafael. Ele teria que permanecer no hospital em observação pelo menos mais um dia.
Entramos por corredores apinhados de gente. Dr. Henrique conseguiu agilizar o atendimento de Rafael, conduzindo-o por todo o hospital, indo da radiografia à sala de gesso e conseguindo um leito para ele. Seus pais estavam muito agradecidos por isso.
Chegamos à enfermaria onde enxergamos Rafael no primeiro leito. Ele estava com o rosto muito machucado. Tinha um olho roxo e inchado, e um corte profundo no lábio inferior igualmente inchado. Havia um hematoma enorme em sua bochecha esquerda, e vários arranhões pelo rosto, braço e peito, pelo menos na parte em que não estava enfaixada. Ele estava com o braço preso a um tubo de soro. A mãe dele estava sentada ao seu lado e quando nos viu entrar, veio em nossa direção, rasgando agradecimentos e elogios a Dr. Henrique e a Bernardo. Os dois agradeciam as palavras de carinho, mas deixavam claro que eles não mereciam aquilo, pois Deus é quem havia providenciado livramento e ajuda ao Rafael.
Dr. Henrique usava do seu trabalho para mostrar o amor de Deus para as pessoas. Ele era um médico atencioso e muito dedicado. Conseguia ajudar seus pacientes não apenas com conforto físico, mas também conforto espiritual.
Rafael tentava sorrir para nós. Fiquei ao seu lado, e segurei a mão sem gesso, com cuidado.
_ Que susto hein, Rafa?! – sorri para ele
_ É. – ele falou com dificuldade – V, seu violão... – ele tentou se justificar
_ Esquece isso! – interrompi – O importante é que você está bem.
_ Mas os caras quebraram ele. – ele dizia com dor na voz.
_ Rafa... – eu acariciei seus cabelos enquanto falava devagar – É sério, não tem problema. Não foi culpa sua.
_ A gente vai pagar viu, Virgínia? – a mãe dele interrompeu
Os pais de Rafael estavam de pé logo atrás de Bernardo, que se mantinha próximo a Flavinha.
_ Por favor! – eu supliquei – Não vamos falar disso. Eu não quero saber de violão nenhum. O importante é que tudo acabou bem. – me virei para Rafael – E você, mocinho, só precisa melhorar esse braço para voltar a tocar. É sério mesmo, eu não preciso desse violão, tá bom? E não vamos mais falar disso.
Continuamos na enfermaria. Bernardo havia saído com os pais de Rafael enquanto Flavinha e eu conversávamos com ele. Rafael parecia bem mais disposto com a nossa visita e até tentou cantar algumas músicas para me perguntar sobre umas posições que ele estava em dúvida. Ele não demonstrava o menor traço de raiva quanto aos outros meninos da gangue. Em nenhum momento da conversa ele mencionou a gangue. Seu pai também havia reparado nisso. Estava satisfeito com a mudança do filho que, embora provocado, não reagira e nem estava planejando vingança. Rafael estava visivelmente mudado.
Quando Bernardo retornou, ele tinha novidades.
_ Então, Rafa, estive conversando com seus pais e achamos que a sua casa não é mais segura para você e sua família. Enquanto não encontrarmos uma nova casa para vocês, você ficará na minha casa.
Rafael olhou surpreso para seus pais. Eles pareciam tristes pela separação, mas havia um brilho de gratidão e esperança nos olhos de ambos.
_ Filho... – a mãe de Rafael dizia, enquanto caminhava na direção dele – Esses moleques só vão parar quando te matarem. Aquele lugar só trouxe coisa ruim para gente. – ela falava enquanto afagava seus cabelos – Vamos começar noutro lugar. O Bernardo vai ajudar a gente a encontrar uma casinha boa.
_ Não vai demorar muito não, filho. – seu pai falou – Bernardo disse que já sabe de um lugar muito bom para gente. Nós vamos passar lá agora e acho que em duas semanas, no máximo, já estaremos na casa nova – o pai parecia realmente confiante. Apenas Rafael não parecia gostar muito da ideia.
_ É que eu não quero incomodar ninguém – ele disse timidamente.
_ Mas não é incomodo nenhum. – Bernardo se antecipou – Meus pais e meu irmão já estão sabendo e foram eles que ofereceram a nossa casa para você ficar o tempo que precisar, e seus pais e seus irmãos poderão visitá-lo sempre que quiserem.
Bernardo tinha uma família com o coração tão grande quanto o seu. Seus pais sempre ajudavam no que fosse preciso e seu irmão, Enrico, era um rapazinho adorável.
_ Combinado, então? – Bernardo continuou – Amanhã, assim que você receber alta, nós iremos para a minha casa. Agora eu vou sair com seu pai para procurar uma nova casa para sua família.
_ Acho que podemos ir agora, né? – Dr. Henrique falou da porta da enfermaria – Rafael precisa descansar um pouco.
Despedimo-nos e deixamos Rafael com a mãe na enfermaria.
Fomos com Bernardo procurar uma nova casa para a família de Rafael. Como era domingo, não havia imobiliárias abertas, mas Bernardo conhecia um corretor e deixamos o nosso contato com ele. Também fomos dar uma volta em algumas cidades e anotamos alguns números de telefone das casas que o pai de Rafael achou interessante.
Bernardo era incansável! Completamente determinado e envolvido com sua nova missão. O que estava diferente agora era seu comportamento com relação a Flavinha.
Ele estava sempre esperando por ela, se postando ao seu lado, esperando que ela passasse para continuar a caminhar... Era como se estivesse sempre consciente de sua presença. Flavinha estava visivelmente satisfeita com essa mudança. Ela sorria sempre que ele lhe dirigia o olhar. Eu a vi retirar um fio de cabelo de sua camisa enquanto ele falava com o pai de Rafael. Ele virou o rosto e sorriu agradecendo aquele simples gesto. As coisas pareciam estar indo bem.
Flavinha e Bernardo finalmente haviam se encontrado.
ADOREI! Não vejo a hora de ler tudinho...
ResponderExcluirParabéns!
Gostei da narrativa. As descrições dos cenários, impressões e demais sensações são bem legais. Atrai o leitor e dá aquela vontade de continuar lendo. Quero saber onde compra.
ResponderExcluirFlavinha e "Bernardo" finalmente se encontraram? Ai ai... Posso gritar? (risos).
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